domingo, 17 de abril de 2011





MEDICINA E AVIAÇÃO


O que a aviação pode ensinar à medicina. A medicina, assim como a aviação, não admite erros. Um erro pode levar a uma ou várias vidas. Portanto, essas duas áreas tem muito mais em comum do que parecem num primeiro momento. Nas duas áreas, todos os procedimentos são treinados exaustivamente, a fim de que, em uma eventual situação de emergência, o piloto ou o médico esteja pronto para agir em segundos. A padronização do atendimento de emergência permitiu priorizar o que deve ser executado em uma sequência lógica previamente determinada, evitando que se perca tempo decidindo o que deve ser feito primeiro. O treinamento e a padronização permitem, além da otimização do tempo, a possibilidade de reduzir a ocorrência de erros. A aviação desenvolveu a padronização do checklist, antes, durante e após cada vôo. O piloto passa grande parte do tempo checando e ""rechecando"" instrumentos e condutas. Os hospitais de todo o mundo têm adotado cada vez mais esse mecanismo, checando e "rechecando" cada medicação a ser aplicada, cada procedimento a ser executado, cada lado a ser operado. Em alguns hospitais o paciente com um braço quebrado, por exemplo, antes da cirurgia, confere qual o braço deve ser operado, a enfermeira checa e o médico checa de novo. Isso reduz significativamente a probabilidade de erros. Os hospitais que tem desenvolvido e obedecido a essa padronização têm recebido títulos de "acreditação" hospitalar. É sabido na aviação que todo acidente aéreo acontece por uma sucessão de erros. Dificilmente um ato isolado de um profissional ou a falha de um único equipamento provoca um acidente. Cada acidente, portanto, é apurado detalhadamente para que se possa entender, punir, e acima de tudo, aprender com o erro. Após cada acidente aéreo novas medidas são tomadas e divulgadas, evitando-se com isso, que o mesmo fato volte a ocorrer. Quando um erro acontece na medicina, concentra-se muito mais na tentativa de punição do que no aprendizado. Dificilmente vemos profissionais da saúde falando sobre erros cometidos ou apurados. Mesmo quando o Conselho Regional de Medicina ou o Conselho Regional de Enfermagem chega à conclusão de que houve erro em determinado procedimento ou conduta, esses em grande parte se restringem a punir o profissional. Reportar pequenos incidentes pode prevenir que um acidente maior ocorra. O profissional de saúde não deve temer ser punido ao relatar um fato que ele acredite estar fora do padrão ou possa acarretar dano maior. A aviação no Brasil também saiu na frente em regulamentar a profissão. Estipulou as horas que os aeronautas devem trabalhar, não permitindo o acúmulo de jornadas. Não permite que um profissional saia de um emprego e vá diretamente para outro, sem o tempo necessário para o descanso. Os acidentes aéreos podem ser divididos, segundo a causa, como desencadeados por fatores operacionais, materiais ou humanos. Investe-se continuamente na tecnologia das aeronaves, mas o treinamento humano é o principal fator de sucesso da aviação. Investir no treinamento, na qualidade de vida, saúde e bem estar do profissional é procurar garantir que erros desencadeados por falha humana não aconteçam. A medicina pode aprender muito com a aviação. A troca de conhecimento entre as áreas pode ajudar no crescimento de ambas. Entre os princípios filosóficos da aviação, diz-se que todo a acidente pode ser evitado, reportar um incidente é prevenir um acidente e que se é verdade que nada é perfeito, também é verdade que tudo pode ser melhorado. ANDERSON SEIXAS, MÉDICO